Com informações de Norian Segatto – Comunicação Colaborativa 5ª CNSMA defensora pública do Rio de Janeiro, Patrícia Magno, participou da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental Domingos Sávio (CNSM), que aconteceu entre os dias 11 e 14 de dezembro, em Brasília. Ela fez parte da mesa que debateu a desinstitucionalização dos manicômios judiciários, sob a ótica dos direitos e da dignidade humana. O debate foi encabeçado pela Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que promoveram um encontro com representantes do judiciário, pesquisadores, profissionais de saúde e representantes do Ministério da Saúde. A mesa de debates foi conduzida pela presidente da Abrasme, Ana Paula Guljor, que contextualizou a proposta contida na Resolução 487/23 do Conselho Nacional de Justiça, que preconiza o tratamento fora dos hospitais de custódia. “O tratamento das pessoas com transtorno mental ou qualquer forma de deficiência psicossocial que estejam custodiadas, sejam investigadas, acusadas, rés ou privadas de liberdade, em cumprimento de pena ou de medida de segurança, em prisão domiciliar, em cumprimento de alternativas penais, monitoração eletrônica ou outras medidas em meio aberto, e conferir diretrizes para assegurar os direitos dessa população”, diz trecho da Resolução. Porta de entrada e de saídaA defensora pública Patrícia Magno iniciou sua intervenção apontando que a política antimanicomial tem de ser de longo prazo, com políticas de Estado e não de apenas de um governo. Segundo ela, um dos grandes desafios do Grupo de Trabalho Ximenes Lopes criado no âmbito do Judiciário, é enfrentar o binômio “loucura e criminalidade”. Ela explicou que o poder judiciário, por intermédio do Tribunal Administrativo, estabeleceu as diretrizes para a aplicação da Lei 10216/2001 no âmbito do sistema de justiça. “Temos de olhar especificamente para o sujeito que está privado de direitos, que está no epicentro de diversas vulnerabilidades e que sobre ele recai diversos preconceitos, que tem a ver com racismo estrutural, o patriarcalismo, etarismo e classismo”. Ao longo de sua exposição ela apresentou suscintamente os procedimentos de desinternação e alertou para a necessidade de não olhar somente para a porta de saída, mas, também, a porta de entrada, ou seja, para os mecanismos de internação, “senão estaremos enxugando gelo”. Perigo é o fascismo, não a loucuraEm sua fala, o promotor do estado de Goiás, Haroldo Caetano, afirmou que a discussão sobre a aplicabilidade da Lei 10216 está superada, “estamos no dia seguinte, só falta fechar as portas”. Para ele, o perigo para o país não está na loucura ou nas pessoas que estão nos manicômios judiciais, mas sim, no fascismo, que cresce em nível mundial. “O Código Penal brasileiro, criado por Getúlio Vargas, é inspirado no italiano de Mussolini, de orientação fascista”, lembrou. Uma legislação que vem do fascismo, do positivismo criminológico de Lombroso [Cesare Lombroso, psiquiatra higienista italiano], é incompatível com a reforma psiquiátrica de Franco Brasaglia. “Curiosamente, a Resolução 487, elaborada no início deste ano, vale mais do que a Lei 10216, de 2001”, que existe há mais de 20 anos, mas nunca foi plenamente implementada. “O aprisionamento manicomial está proibido em Goiás desde 2006 e essa experiência tem sido fundamental para desenhar as possibilidades desse dia seguinte… isso vai demandar estratégias de ação, de saúde”. Verbo e verbaJoão Mendes, da coordenação de desinstitucionalização e direitos humanos do Departamento de Saúde Mental, do Ministério da Saúde, foi enfático ao dizer que é necessário fechar todos os hospitais de custódia. “Em julho, a ministra Nísia Trindade assinou um protocolo de intenção de afirmar o compromisso do Ministério com a desinstitucionalização; entendemos que precisamos de fato tomar as chaves desses espaços”, afirmou, sob o risco de esses locais voltarem a existir no futuro; “são instituições vinculadas à estrutura da segurança pública, não se trata de simplesmente construir as condições de saída, mas de fato, disputar o espaço e o orçamento para construir outras possibilidades”. Segundo ele, política se faz com verbo (diálogo) e também com verba (orçamento para políticas públicas). A médica e fundadora da Abrasme, Ana Pitta, destacou o fato de a luta antimanicomial contar com a apoio de setores do judiciário, parceiros relativamente recentes nessa batalha. Pitta se concentrou na experiência da Bahia, sua terra natal. Ela relatou que encaminhou para a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) um relatório sobre um censo jurídico, epidemiológico e psicossocial com pessoas em hospitais de custódia, que registrou 400 casos. ”Findo esse processo conseguimos saltar dos 400 para 152 pessoas, tinha quem estava lá há muito tempo, sem laudos, sem exames suficientes da justiça, tinha gente aguardando laudo psiquiatra há 20 anos. Quando fizemos essa pesquisa, um número significativo não tinha motivos psiquiátricos para estar lá, tinha roubado galinha, tinha feito xixi segurando os órgãos sexuais, aí me perguntei, sendo homem, será que é possível fazer xixi sem segurar o dispositivo”, relatou, arrancando risadas da plateia. “Todos nós que trabalhamos no campo da saúde mental sabemos que desinstitucionalizar 206 pessoas é uma coisa simples se considerarmos procedimentos para colocá-las em outros dispositivos”. Papel dos movimentos sociaisO psiquiatra, presidente de honra da Abrasme, e histórico crítico da psiquiatria, Paulo Amarante, iniciou sua intervenção avisando que sua fala não seria simpática e chamou o público para uma reflexão. “Na nossa história já tivemos muitas oportunidades, mas também pisamos muito na bola, nós podíamos ter fechado muito mais manicômios, aberto muito mais CAPs, trabalhado muito mais a sociedade, mas achamos que nunca iríamos sair do poder; em 40 anos de reforma psiquiátrica estamos realizando a quinta conferência, a primeira, segunda e terceira foram feitas em governos de centro direita e a quarta, no último mês, do último ano do governo Lula”. Para Amarante, um dos aspectos fundamentais da 5ª Conferência será avançar no protagonismo dos movimentos sociais. “Não dá para achar que movimento social, escuta ou participação é ouvir de vez em quando e voltar para o gabinete, participação não é para escutar a sociedade, é para fazer junto”, afirmou, relatando experiências de participação social e provocando para que se avance no protagonismo da sociedade organizada. Ele também criticou as comunidades terapêuticas, chamando-as de farsa,
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