ASSOCIAÇÃO DAS DEFENSORAS E DEFENSORES PÚBLICOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Artigo: Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, aprendendo a jogar no Processo Penal

Artigo publicado no site Consultor Jurídico

Na voz de Elis Regina, Maria Rita ou de Fernanda Abreu, aceitamos o desafio de “aprender a jogar” no domínio do Processo Penal, isto é, de obtermos “ganhos relativos” em face da interação processual dominada por concepções autoritárias. Por mais que o nosso modelo de Direito Criminal seja distinto, no contexto do caso penal, “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”.

Sem perdermos os ideais de sempre, adotamos três práticas: [1] Admitimos circunstancialmente os Esquemas Cognitivos prevalecentes, extraindo os maiores benefícios dado o contexto [jogamos com as regras deles: “mas vale que dois voando”]; [2] Evitamos o enfrentamento teórico declarado, assumindo posicionamentos ad-hoc, afinal incoerência e inconsistência é o que não falta no ambiente forense, otimizando o benefício esperado [assumimos a racionalidade do agente econômico]; e, [3] Comunicamos melhor, a partir de petições/decisões diretas, objetivas e assertivas, retirando tudo que for “redundante”.
Na linha de Claude Shannon, retiramos tudo o que não é “novidade” [informação]. Além disso, implementamos mecanismos de Comunicação Visual para o fim de orientar a compreensão, integrando prints de peças, documentos e decisões. Se queremos atenção consciente do agente julgador, então devemos evitar o freio cognitivo exigido quando é preciso ir até o documento “x” e depois voltar. Quando freamos o carro, a retomada é demorada. Na cognição, nem sempre se retorna à velocidade e atenção consciente anterior. Mitigamos o risco: “em casa de ferreiro quem com ferro se fere é bobo”.
Estamos entrando em 2024, rumo ao 6G, com smartphones cada vez mais potentes, munidos de processadores de alto desempenho, com os quais a velocidade do cotidiano tornou-se acelerada, fragmentada e, ao mesmo tempo, opaca [Paul Virilio c/c Carlos Cárcova]. Num mundo híbrido [Luciano Floridi] em que a alocação de tempo representa um alto custo de oportunidade, em que você não quer “perder” ou “investir” seu ativo mais preciso em tarefas chatas, repetitivas ou enfadonhas, é irracional querer impor o mesmo cenário aos assessores/julgadores. Ou você adora ler algo confuso, longo, repetitivo e sem navegabilidade? Por isso, para os subscritores, sem perder as referências teóricas importantes, abandonamos o “modo” como aprendemos a escrever na “prática jurídica”. Assumimos o Minimalismo Assertivo, orientado pelo constante refinamento das peças, decotando tudo que estiver sobrando [redundante, impertinente, arrogante: adjetivos, opiniões ou citações “no mesmo sentido”].
Em tempos natalinos, Eduardo mandou ao Alexandre a carta [somos cringe] a seguir transcrita:
“Caro amigo Alexandre,
Quem sabe para me afastar do mundo pós-moderno e da rápida comunicação, decidi escrever essa missiva para relatar e agradecer o ocorrido nesse ano profissional que se encerra.
Já perdi a conta do tempo de nossa amizade, bem como de todo o seu esforço, até mesmo pelo carinho que acredito que nutres por mim, em me alertar sobre a necessidade de alterar a minha forma de atuação. Você foi insistente, quase um teimoso, na tentativa de me mostrar que a técnica jurídica obrigatoriamente precisa se aliar com a objetividade.
Confesso que se fosse a situação contrária, provavelmente eu teria largado de mão e deixaria você fazendo o mesmo. Também tenho plena noção de que, em alguns momentos, você foi enérgico na crítica ao meu trabalho; porém, esse comportamento é próprio dos amigos e dos verdadeiros professores.

Desde os fins de 2022, enfim, comecei a te escutar e mudei radicalmente a forma de atuar como defensor público na atuação criminal. Ano que vem, completarei 17 anos de vida defensorial e acredito que superei um período que denomino como adolescência profissional. Não tenho dúvida de que você indicaria a superação, tardia, da fase amadora de um jogador do processo penal.

O sonho, ou melhor, a ilusão de mudar o mundo se enfraqueceu. E longe de um pragmatismo cínico, entendo que cada vez mais é importante obter decisões favoráveis aos meus defendidos. Assim, larguei de mão a inocente pretensão de querer ensinar os julgadores, o que imediatamente repercutiu nas petições que se mostraram mais enxutas, diretas e objetivas. Os meus defendidos deixaram de ser minhas cobaias de um ego que me fazia pensar antes em mim do que no preso ou acusado.
Essa verdadeira revolução pela simplicidade foi, ainda, aprimorada com a imersão no visual law. Aliás, não poderia deixar de agradecer por ter me indicado o trabalho da Fernanda BB. Ela literalmente me ensinou a desenhar nas petições.
Meu professor e amigo, sei que não criamos uma receita de bolo da liberdade. Não ganho todas as ordens de Habeas Corpus nem sempre uma alegação final leva para a absolvição. Mas, tenho plena certeza de que os resultados atuais mostram que a mudança no atuar me permitiram uma chance maior no afastamento desses calabouços que chamamos de prisões. E só por essa chance maior, eu posso te dizer: valeu muito.”
Alexandre respondeu por aqui.
“Caro Eduardo,

Somos amigos de longa data. Compartilhamos momentos de arrogância acadêmica, proselitismo teórico, indignações infantis, muita reclamação nas redes sociais, até o dia que nos demos conta de que deveríamos ‘jogar o jogo’ nos limites éticos intransponíveis. Percebemos que quando as consequências incidirão sobre nós mesmos, temos liberdade de agir. Entretanto, quando os efeitos serão arcados por terceiros, é abusiva qualquer conduta de Alma Bela.

“Desculpe o auê” que causei. Foi uma intervenção que me autorizei porque o mundo é maior do que nosso gabinete. Os atos de fala produzem efeitos e, por isso, somos responsáveis, ainda que não tenhamos dolo. Foste hostil comigo quando sugeri você modificar radicalmente o modo de peticionar, afirmando que “queria ensinar a missa para o padre”. Insisti. Fui chato. O resultado são impetrações minimalistas, diretas e assertivas. Abandonaste o padrão de abertura de Games of Trones. Quem não “pula a abertura da série” depois de assistir umas poucas vezes? Se você vai impetrar um Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal, pelo “amor de Deus”, não tente explicar ao julgador o que ele faz “todo santo dia” [transcrevendo a Súmula 691, seguida de duas citações e mais três julgados]. Passaste a pular a abertura. Assim como quanto vemos a série na TV: queremos os fatos, o enredo, a construção da sequência de eventos. Adotaste a Linha de Tempo do caso penal. Foi revolucionário. Funcionou. Às vezes o caso é bom e a forma de apresentação destrói as chances de decisão favorável. Mas com caso ruim não se faz milagres.

Rita Lee que nos faz falta, cantava: “Qual é a moral? Qual vai ser o final dessa história? Eu não tenho nada pra dizer, por isso digo. Que não tenho muito o que perder, por isso jogo. Eu não tenho hora para morrer, por isso sonho”. Só não melhora o desempenho quem é fechado para o mundo, preservando o “status quo”. Mas você é livre para não concordar conosco. Aliás, você é maioria, por enquanto. O jogo está virando.

Parabéns pela coragem e disposição para mudança. É um ato profissional de quem superou a adolescência em favor da defesa responsável, atualizada e intransigente do Devido Processo Legal por meio de estratégias lógico racionais dentro do universo do jogo.

De quem te quer bem, Alexandre.”

Coragem a todos em 2024. Feliz Ano Novo!
P.S. Te espero hoje perto das 19h no Belmonte de Ipanema, neste Rio 60 graus, “purgatório da beleza e do caos”, cantarola Fernanda Abreu. Quem estiver pelo Rio, está também convidado.

Alexandre Morais da Rosa
é juiz de Direito de 2º grau do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e doutor em Direito e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).
Eduardo Januário Newton
é defensor público e mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá.

ASSOCIAÇÃO DAS DEFENSORAS E DEFENSORES PÚBLICOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Contato

×