Artigo do defensor público Cleber Francisco Alves publicado no site Justiça & Cidadania No dia 21 de julho deste ano de 2024, deu-se o transcurso dos 70 anos de promulgação da Lei no 2.188, do antigo Estado do Rio de Janeiro, que é reconhecida como o marco fundacional não apenas da atual Defensoria desse Estado, mas também da própria Defensoria Pública nacional. Essa lei, que foi sancionada pelo então governador Amaral Peixoto, criou os seis primeiros cargos de defensor público para atuação em Niterói, então capital do Estado do Rio, e em algumas cidades do interior. Mas, então, por que tal lei é tão importante para a história da Defensoria brasileira? Para compreender a relevância dessa singela lei, é preciso resgatar um pouco da história dos serviços, que, na época, ainda eram designados – em todo o país – pelo nome de Assistência Judiciária. O artigo 141, § 35, da Constituição Federal de 1946, determinava que a União e os estados deveriam prestar assistência judiciária aos pobres (necessitados), o que abrangia o patrocínio gratuito, em juízo, por advogado e a isenção de quaisquer despesas do processo. Esse direito foi regulado pela Lei Federal no 1.060/1950. Essa lei estabelecia que, quando tal serviço não fosse prestado pelo poder público, o juiz poderia designar um advogado dativo que era obrigado então a atuar sem qualquer contraprestação financeira, desempenhando um dever preconizado pela ética profissional, de caráter caritativo. É fato que em alguns estados da federação o poder público já vinha prestando o serviço de assistência judiciária, através dos chamados “advogados de ofício”, conforme inclusive ocorria na esfera federal, na Justiça Militar, desde 1920. Na capital da República, ou seja, na cidade do Rio de Janeiro, desde 1948, havia sido aprovada uma lei que mudara o nome dos “advogados de ofício” para “defensor público”. Porém, tal lei estabelecia que esse seria o cargo inicial, de ingresso na carreira do Ministério Público (MP). Ou seja, a função de defensor figurava não como atividade de cunho permanente, mas sim uma simples etapa de passagem, enquanto se aguardava futura “ascensão” ao cargo de promotor de justiça. Esse modelo, naturalmente, traduzia uma distorção, uma disparidade, pois o Estado não conferia tratamento de isonomia entre duas funções, que – por lógica e por justiça – devem estar em posição de paridade e não de subalternidade: isto é, a defesa e a acusação num processo judicial. Porém, não se pode desconsiderar que tal modelo já apresentava como virtude a compreensão de que deveriam possuir ambas as funções estatais (promotor de justiça e defensor público) o mesmo regime jurídico funcional, distinto daquele dos demais funcionários públicos, usufruindo de idênticas prerrogativas funcionais, uma vez que integravam mesma carreira, como agentes políticos do Estado. Porém, cabe reconhecer que o modelo que veio a surgir e se desenvolver no antigo Estado do Rio de Janeiro era inovador, na medida em que esses cargos de defensor público, criados pela lei de 21 de julho de 1954, eram cargos isolados de caráter permanente, ou seja, não estavam inseridos como simples fase transitória na carreira do MP. Obviamente que apenas os seis cargos originariamente criados em 1954 não eram suficientes para atender à necessidade do serviço de assistência jurídica em todas as cidades do antigo Estado do Rio. Assim, nos lugares onde não havia defensores, os juízes continuavam tendo que nomear advogados particulares conforme preconizava a lei federal que regia a Assistência Judiciária. Para preencher tal lacuna, nos anos seguintes, sucessivas leis aprovadas pela Assembleia Legislativa do Estado criaram novos cargos de defensor público para atuação nas diversas comarcas do interior, até atingir o número de 50 em meados dos anos sessenta. Todavia, na cidade do Rio de Janeiro, que após a transferência da capital para Brasília, em 1960, tornou-se o Estado da Guanabara, continuou em vigor aquele modelo distorcido, em que o cargo de defensor público era simples cargo de ingresso na carreira do Ministério Público. O fato histórico inequívoco é que aqueles pioneiros defensores públicos fluminenses foram então os artífices e os protagonistas de um modelo peculiar do serviço de Assistência Judiciária, que, mais tarde, passaria a ser denominado nacionalmente – na Constituição Federal de 1988 – de Defensoria Pública, com características de simetria e paridade com as demais carreiras jurídicas estatais, no que se refere ao regime funcional, especialmente com o Ministério Público. De se notar que, originariamente, nesse modelo que foi sendo gestado no antigo Estado do Rio, ambas as funções eram, inclusive, regidas por uma mesma Lei Orgânica e integravam um único órgão administrativo que, conforme consta da Lei estadual no 5.111/1962, chamava-se Procuradoria Geral do Estado (e não Procuradoria Geral de Justiça como é hoje), sendo certo que dentro nos quadros funcionais desse órgão estavam também os cargos que eram denominados de “procurador dos feitos da fazenda”, os quais exerciam funções correspondentes à dos atuais procuradores do Estado. Nessa contínua trajetória de estruturação institucional, deve ser registrado que a partir de 1970, pelo Decreto-Lei no 286, ainda do antigo Estado do Rio, os cargos de defensor público que compunham quadro funcional especial separado (o quadro funcional de promotores públicos era designado de “Quadro A” e o de defensores públicos designado de “Quadro B”) passaram a constituir carreira própria paralela, simétrica à da Magistratura e do Ministério Público, ficando estabelecido que o acesso deveria se dar por concurso público. Esse modelo foi objeto de debates durante o primeiro Encontro Nacional de Procuradores de Justiça, realizado em Petrópolis, em junho de 1970, quando se deliberou aprovar recomendação no sentido de que deveria ser replicado nas demais unidades federativas, conforme indicamos em trabalho anterior que publicamos, referente ao cinquentenário da Carta de Petrópolis. Nos anos seguintes, o modelo continuou sendo aprimorado e, quando da fusão com o Estado da Guanabara, em 1975, foi o que prevaleceu no novo Estado do Rio, inclusive passando a figurar expressamente no texto da Constituição Estadual, o que se deu de modo pioneiro em todo o país no plano constitucional e não apenas legal. Anos depois, com o fim do regime militar