ASSOCIAÇÃO DAS DEFENSORAS E DEFENSORES PÚBLICOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Leia a íntegra da entrevista do diretor-geral do Depen/MJ, Renato De Vitto, publicada no Jornal do Defensor

Um Defensor na direção do Departamento Penitenciário Nacional 

Sensibilidade e experiência adquiridas na assistência jurídica gratuita auxiliam dirigente nas atribuições do cargo

Ex-subdefensor Público Geral do Estado de São Paulo e ex-coordenador-geral de Administração da Defensoria Pública de São Paulo, Renato De Vitto foi empossado em maio de 2014 diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen/MJ). Nesta entrevista ao JORNAL DO DEFENSOR, ele fala sobre os desafios à frente da pasta, as medidas para reduzir a superlotação nos presídios, a humanização do sistema penitenciário e a importância dos mutirões carcerários.  

Jornal do Defensor – Quais os desafios que um Defensor Público, acostumado à defesa dos presos, enfrenta para exercer a direção geral do Depen?
Renato De Vitto – O trabalho à frente do Departamento é repleto de desafios. O Depen hoje tem atuação híbrida: fomentando e traçando diretrizes para a política prisional nacional e gerindo o Sistema Penitenciário Federal. Mais de mil servidores estão engajados nesta tarefa, razão pela qual o papel do diretor-geral é de articulação política e gestão das demandas e tarefas. Evidentemente, a sensibilidade e o olhar específico obtidos a partir da experiência da prestação da assistência jurídica gratuita são atributos que agregam valor ao papel do dirigente em uma política tão complexa como a penitenciária.
JD – Quais são os seus planos à frente do Departamento?
RV – Os êxitos de gestão do Depen se assentam em um tripé: 1) formulação e execução de estratégias para redução da forte tendência de superencarceramento – que envolve políticas judiciárias e legislativas em que a governabilidade do Depen é, portanto, limitada –; 2) ações de humanização das condições de aprisionamento, que buscam potencializar medidas e ações voltadas ao aperfeiçoamento das assistências devidas à pessoa privada de liberdade; 3) apoio à gestão local, que pretende reposicionar o papel do Depen na política nacional, colocando-se como um ente de apoio ao diagnóstico, revisão e aperfeiçoamento das políticas penitenciárias estaduais, das rotinas carcerárias (microgestão) e auxílio em situações de crise.
JD – De que forma é possível humanizar o sistema penitenciário brasileiro?
RV – É fundamental que a maior humanização do sistema penitenciário seja o norte de todas as políticas que tocam o tema. Da concepção do uso dos espaços, nos projetos de arquitetura e engenharia, até as políticas de penas e medidas alternativas, sem restrições, todas as políticas devem ser pensadas de modo a assegurar os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa privada de liberdade. Para garantir um tratamento mais digno para essa parcela da população, é importante pensar também em políticas que tenham como destinatário aqueles que lidam diretamente com os presos, os agentes penitenciários. É importante preparar melhor essa categoria profissional, além de valorizá-la para assegurar melhores serviços prisionais. A busca pela maior humanização do sistema, aliás, não pode se restringir às políticas públicas. Impera atualmente na sociedade a percepção de que o indivíduo privado de liberdade não é sujeito de direitos, de que é aceitável, ou até mesmo desejável, privar essa parcela da população de prerrogativas outras que não apenas o direito de locomoção e o de voto. Deve-se combater esse tipo de percepção, pois o êxito da reinserção do egresso depende, em muito, do amparo que esse indivíduo vai receber quando sair do sistema prisional. Por fim, é importante descontruir, de uma vez por todas, o paradigma da prisão como medida de ressocialização. No aprisionamento não há vencedores nem vencidos. A prisão produz danos inexoráveis, tanto ao preso como a seus familiares. Por isso, é fundamental buscar alternativas a esses danos que atingem quase 600 mil pessoas em situação de privação de liberdade e suas famílias no Brasil.
JD – Em números, como está hoje o sistema penitenciário brasileiro?
RV – Existem cerca de 581 mil pessoas em situação de privação de liberdade no país, o que corresponde a um total de 289 presos para cada 100 mil habitantes. Atualmente, existem em torno de 364,6 mil vagas no sistema penitenciário brasileiro. Ou seja, há um déficit de 216,4 mil vagas. A forte tendência de hiperencarceramento observada no Brasil contribui em muito para esse quadro. Nos últimos 15 anos, o Brasil observou crescimento da sua população privada de liberdade de 136%, taxa muito maior que a dos Estados Unidos (23%), da China (13%) e da Rússia (-2%), países com as maiores populações carcerárias do mundo. 
JD – Que medidas são necessárias para reduzir a superlotação nos presídios?
RV – O encarceramento em massa representa um dos maiores obstáculos para a melhoria da gestão dos estabelecimentos prisionais no Brasil, uma vez que dificulta, ou mesmo impede, em determinadas circunstâncias, a implementação das assistências material, jurídica, educacional e a oferta de trabalho ao preso, como previsto na Lei de Execução Penal. Mas o enfrentamento do déficit carcerário não deve se resumir apenas à criação de novas vagas no sistema. Em determinados casos será necessária a geração de novas vagas, mas estas devem ser planejadas por uma ótica qualitativa, não quantitativa apenas. Contudo, a solução do problema da superlotação dos presídios passa principalmente pelo fomento à aplicação das alternativas penais como penas substitutivas e das medidas cautelares diversas da prisão. Além disto, são de igual importância a expansão e o aperfeiçoamento dos programas e projetos de reintegração social dos presos e dos egressos do sistema para evitar a reincidência. As políticas para fomentar a oferta de vagas de trabalho e de capacitação profissional para pessoas privadas de liberdade e egressos do sistema são exemplos dessas medidas. Por fim, não se pode esquecer o papel de extrema importância da Defensoria, que deve atuar na prestação da assistência jurídica individual no âmbito da execução penal, mas também se credenciar como órgão de execução penal, que deve fiscalizar as condições de aprisionamento e colaborar com o aperfeiçoamento das políticas criminal e penitenciária.
JD – Qual a importância dos mutirões carcerários? Como eles funcionam?
RV – Os mutirões carcerários contribuem na ampliação das oportunidades de acesso à Justiça para as pessoas em situação de privação de liberdade. Estudos recentes já apontaram a ausência de assistência jurídica efetiva no cárcere como uma das razões para o número excessivo de presos provisórios no país. Entre 2000 e 2010, a taxa de presos provisórios no Brasil cresceu 104%, número alarmante se considerarmos que em quase 40% dos casos em que o réu cumpre prisão provisória, não há condenação a pena privativa de liberdade ao final do processo. Assim, a atuação dos mutirões contribui para a criação de condições mais dignas para o cumprimento das penas e das medidas alternativas e cautelares, bem como a efetivação dos direitos dessa parcela da população. Os mutirões carcerários existem desde 2008 e são realizados pelo Conselho Nacional de Justiça. A linha de atuação nos mutirões é baseada em dois eixos: garantia do devido processo legal, com a revisão das prisões de presos definitivos e provisórios; e a inspeção nos estabelecimentos prisionais do Estado. A iniciativa reúne juízes que percorrem os estados para analisar a situação processual das pessoas que cumprem pena, além de inspecionar unidades carcerárias, com o objetivo de evitar irregularidades e garantir o cumprimento da Lei de Execução Penal. 

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